Estevão: O Testemunho que Desafiou Corações Endurecidos
51 ¶ Homens de dura cerviz e
incircuncisos de coração e de ouvidos, vós sempre resistis ao Espírito Santo;
assim como fizeram vossos pais, também vós o fazeis.
Neste ponto, a defesa
de Estêvão atinge seu clímax. Ele é direto em sua acusação, afirmando
claramente que seus ouvintes estão agindo da mesma forma que seus antepassados,
resistindo ao Espírito Santo e à vontade de Deus.
Quando Estêvão usa a
expressão "homens de dura cerviz", ele está chamando os líderes de
teimosos. A "cerviz" é a parte de trás do pescoço, e uma "dura
cerviz" significa alguém que se recusa a se inclinar, ou seja, uma pessoa
incapaz de reconhecer seus erros, de se humilhar, de pedir desculpas, de se
submeter a vontade de Deus. No contexto bíblico, essa expressão é
frequentemente usada para descrever o povo de Israel quando se afastava dos
caminhos de Deus (Êxodo 32:9; 33:3; Deuteronômio 9:6). Estêvão está acusando
seus ouvintes de serem obstinados, recusando-se a se submeter à vontade de
Deus.
No Antigo
Testamento, a circuncisão era um sinal externo do pacto entre Deus e o povo de
Israel. No entanto, Deus também exigia uma "circuncisão do coração",
que simboliza pureza interior, obediência e devoção genuína (Deuteronômio
10:16; Jeremias 4:4). Ao chamar os líderes de "incircuncisos de coração e
de ouvidos", Estêvão está dizendo que, apesar de terem o sinal externo da
circuncisão, seus corações e ouvidos estão fechados para Deus. Eles estão
espiritualmente insensíveis, incapazes de ouvir e obedecer à voz do Espírito
Santo.
Até aqui, Estêvão
demonstrou em seu discurso como o povo de Israel sempre foi duro de coração e
resistiu ao Espírito Santo. Ele enumerou vários episódios, começando pela
recusa em aceitar José como salvador (Gênesis 37:5-11), passando por Moisés
como mensageiro de Deus (Êxodo 2:14; Atos 7:35), e chegando aos profetas e
juízes que foram enviados por Deus (Mateus 23:37; Hebreus 11:32-38). Embora
Estêvão não comente detalhadamente sobre cada um deles, todos enfrentaram
resistência de seu próprio povo.
Podemos citar
Débora, que, mesmo sendo mulher, enfrentou resistência no início, mas salvou o
povo de Israel (Juízes 4-5). Podemos mencionar Josué, quando ninguém acreditou
no relato que ele e Calebe deram (Números 13:30; 14:6-10). Outro exemplo é
Samuel, o último juiz antes da era dos reis. Samuel foi chamado desde cedo para
servir a Deus (1 Samuel 3:1-10) e advertiu o povo que Deus não queria que fosse
nomeado um rei, pois Ele próprio seria o único e suficiente Rei (1 Samuel
8:6-7). No entanto, devido à insistência do povo, Deus permitiu que Saul fosse
ungido como o primeiro rei de Israel (1 Samuel 10:1). Inicialmente, Saul também
enfrentou resistência (1 Samuel 10:27), e mais tarde acabou abandonando seu
chamado (1 Samuel 15:10-11).
52 Qual dos profetas vossos pais não
perseguiram? Eles mataram os que anteriormente anunciavam a vinda do Justo, do
qual vós agora vos tornastes traidores e assassinos,
Estevão os desafia a
mencionar algum profeta que os antepassados deles não tenham perseguido. Urias,
um profeta que foi morto pela espada por profetizar contra Jerusalém (Jeremias
26:20-23). Zacarias, filho de Joiada, foi apedrejado no pátio do templo por
anunciar a verdade de Deus (2 Crônicas 24:20-22). E agora, ao repetirem esses
atos, eles se tornam assassinos e traidores do próprio Messias (Atos 7:52).
53 vós que recebestes a lei por ministério de
anjos e não a guardastes.
Estevão faz uma
acusação contundente, afirmando que a Lei, embora recebida por intermédio de
anjos, não foi obedecida por aqueles que a receberam. Ele enfatiza que, embora
Moisés tenha sido o mediador da Lei, ela foi dada através de anjos, o que
destaca a sua natureza sagrada e divina (Atos 7:53; Gálatas 3:19). Mesmo com
essa mediação celestial, eles não a guardaram, revelando a hipocrisia e
desobediência do povo.
Estevão utiliza esse
argumento para mostrar que, apesar de se vangloriarem de serem guardiões da
Lei, eles falharam em obedecê-la. Ele aponta que a desobediência à Lei não é
uma falha apenas dos antepassados, mas também deles, que rejeitaram o Messias
prometido pela mesma Lei. Assim, ele expõe a continuidade do padrão de
resistência à vontade de Deus, desde a recepção da Lei até a rejeição de Jesus
Cristo.
54 ¶ Ouvindo eles isto,
enfureciam-se no seu coração e rilhavam os dentes contra ele.
Outras versões
descrevem que eles "rangeram os dentes" de tanta raiva (Atos 7:54);
outras, mais modernas, os retratam com os punhos fechados, prontos para
agredir. Seus corações eram tão duros que se recusavam a admitir seus erros, a
se humilhar e a pedir perdão pelos pecados. Eles se consideravam já donos do
Reino de Deus por serem circuncidados e filhos de Abraão, mas Jesus mostrou que
Deus pode, até mesmo, a partir de pedras, criar descendentes de Abraão (Mateus
3:9; Lucas 3:8). Além disso, Ele os chamou de filhos do diabo, pois seguiam as
mentiras e a maldade (João 8:44).
55 Mas Estêvão, cheio do Espírito Santo, fitou
os olhos no céu e viu a glória de Deus e Jesus, que estava à sua direita,
56 e disse: Eis que vejo os céus abertos
e o Filho do Homem, em pé à destra de Deus.
Estevão, desde o
início de sua defesa perante o Sinédrio, estava cheio do Espírito Santo (Atos
6:10). Agora, ainda cheio do Espírito, ele olha para os céus e vê a glória de
Deus e Jesus à sua direita, em pé, como se estivesse esperando para recebê-lo
nos céus, sinalizando o que estava para acontecer com ele (Atos 7:55-56).
É importante notar
que Estevão não viu a Deus diretamente, mas sim a glória de Deus. Ele viu
Jesus, e este estava em pé, um gesto que sugere que Jesus estava em ação,
pronto para fazer algo. Neste contexto, isso pode significar que Jesus estava
pronto para receber Estevão no céu após o seu martírio. Fora desse contexto, o
fato de Jesus estar em pé pode representar que Ele está ativamente trabalhando
em prol do Seu Reino (Hebreus 7:25; Romanos 8:34).
Além disso, ao
vermos Estevão contemplar a glória de Deus e Jesus à sua direita, lembramos de
outras passagens nas Escrituras onde Jesus ora ao Pai e interage com Ele,
demonstrando a doutrina da Trindade: Deus Pai, Filho e Espírito Santo. Embora
Jesus seja Deus, Ele não é o Deus Pai, mas sim a segunda pessoa da Trindade
(Mateus 3:16-17; João 17:1-5; 2 Coríntios 13:14).
57 Eles, porém, clamando em alta voz, taparam os
ouvidos e, unânimes, arremeteram contra ele. 58
E, lançando-o fora da cidade, o apedrejaram. As testemunhas deixaram
suas vestes aos pés de um jovem chamado Saulo.
Estevão, um homem
cheio do Espírito Santo, não conseguiu converter aqueles que o escutavam. Isso
nos ensina uma lição profunda: mesmo a pregação mais fervorosa e a manifestação
mais clara da presença de Deus não podem forçar a conversão de corações endurecidos.
A resposta ao evangelho depende da abertura do coração das pessoas à ação do
Espírito Santo. Além disso, este episódio nos mostra a resistência humana ao
arrependimento e à aceitação da verdade, lembrando-nos que a salvação é uma
obra de Deus e que, apesar de nossos melhores esforços em testemunhar, nem
todos aceitarão a mensagem de Cristo (João 1:11; 1 Coríntios 2:14).
Estevão permanece
como um exemplo de fidelidade até o fim, demonstrando que o verdadeiro
discípulo de Cristo está disposto a enfrentar a rejeição e até mesmo a morte
por causa do evangelho. Sua morte também marca o início de uma grande
perseguição contra a igreja, mas, por outro lado, marca também o início da
expansão do cristianismo além das fronteiras de Jerusalém (Atos 8:1-4).
59 E apedrejavam Estêvão, que invocava e dizia:
Senhor Jesus, recebe o meu espírito! 60
Então, ajoelhando-se, clamou em alta voz: Senhor, não lhes imputes este
pecado! Com estas palavras, adormeceu.” (Atos 7:1-60 RA)
Estevão nos oferece
um exemplo extraordinário de controle pelo Espírito Santo. Em uma situação
extrema, quando a maioria das pessoas reagiria com medo, raiva ou maldição,
Estevão abençoa seus agressores e pede que Deus os perdoe. Este comportamento
nos desafia a refletir sobre o nível de controle que o Espírito Santo tem sobre
nossas vidas. Será que, em circunstâncias semelhantes, seríamos capazes de
abençoar em vez de amaldiçoar?
O Espírito Santo,
descrito na Bíblia como o próprio Espírito de Jesus, é aquele que nos capacita
a agir de acordo com a vontade de Deus, mesmo em situações de grande
adversidade (João 14:26; Romanos 8:9-11). A presença do Espírito em nós deve
produzir frutos como o amor, a paz e a longanimidade, capacitando-nos a
responder ao mal com o bem (Gálatas 5:22-23). Estevão, cheio do Espírito Santo,
exemplificou perfeitamente esse fruto em sua última hora, revelando que, quando
o Espírito de Jesus controla nossas vidas, somos capazes de refletir o caráter
de Cristo até mesmo nos momentos mais difíceis.
Agora, resumindo o
que foi o discurso de Estevão até aqui: Ele se defende das acusações de
blasfêmia contra o templo e contra a Lei de Moisés (Atos 6:13-14). Durante sua
defesa, ele utiliza a história do povo de Israel para abordar pontos-chave que
fundamentam sua argumentação e desconstroem as acusações feitas contra ele:
Através deste
discurso, Estevão evidencia que:
- O local do templo não era indispensável
para que Deus atendesse a alguém. Os israelitas eram
orgulhosos não apenas do templo, mas também por estarem na terra
prometida. Contudo, Estevão deixa claro que lugares específicos nunca
limitaram a ação ou a bênção de Deus. Deus pode agir e abençoar qualquer
pessoa, independentemente do local. Ele cita Isaías, afirmando que "o
Altíssimo não habita em templos feitos por mãos humanas" (Atos
7:48-50; Isaías 66:1-2).
- O templo, embora fosse um símbolo
importante, foi construído por Salomão muitos séculos após a época de
Abraão. Isso demonstra que a presença de um local
específico não era essencial para a relação com Deus (1 Reis 6:1). Estevão
destaca que Deus não estava restrito a um lugar físico para manifestar Sua
presença ou atender ao Seu povo, como fica claro na história de Abraão,
que se relacionou com Deus antes mesmo de haver um templo ou uma terra
prometida (Atos 7:2-7).
- O povo frequentemente rejeitava grandes
personagens bíblicos, incluindo Moisés e outros profetas.
Estevão sublinha que essa tendência de rejeitar os enviados de Deus é uma
constante na história de Israel. Moisés, o líder que conduziu o povo para
fora do Egito, foi inicialmente rejeitado por seus próprios irmãos (Atos
7:35-39). Além disso, os profetas que advertiram o povo a voltar-se para
Deus foram frequentemente perseguidos e mortos (Atos 7:52). Essa rejeição
culminou com a rejeição e morte do Justo, Jesus Cristo, o Messias
prometido.
Assim, Estevão
demonstra que a acusação contra ele é infundada. Ele não blasfemou contra o
templo ou a Lei; pelo contrário, ele expôs a verdadeira relação de Deus com Seu
povo, que transcende o templo e a terra. Estevão argumenta que a resistência
dos líderes judeus ao evangelho de Jesus Cristo é apenas uma continuação da
longa história de Israel de rejeição aos profetas e à vontade de Deus.
Estevão, então, conclui que, ao resistirem a ele, esses líderes não estão apenas rejeitando um homem, mas resistindo ao próprio Espírito Santo (Atos 7:51). Eles, como seus antepassados, estão rejeitando a obra de Deus e, ao fazê-lo, estão se colocando em oposição direta ao plano divino.
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