sexta-feira, 23 de agosto de 2024

ATOS DOS APÓSTOLOS (7:51-60)

Estevão: O Testemunho que Desafiou Corações Endurecidos

51 ¶ Homens de dura cerviz e incircuncisos de coração e de ouvidos, vós sempre resistis ao Espírito Santo; assim como fizeram vossos pais, também vós o fazeis.

Neste ponto, a defesa de Estêvão atinge seu clímax. Ele é direto em sua acusação, afirmando claramente que seus ouvintes estão agindo da mesma forma que seus antepassados, resistindo ao Espírito Santo e à vontade de Deus.

Quando Estêvão usa a expressão "homens de dura cerviz", ele está chamando os líderes de teimosos. A "cerviz" é a parte de trás do pescoço, e uma "dura cerviz" significa alguém que se recusa a se inclinar, ou seja, uma pessoa incapaz de reconhecer seus erros, de se humilhar, de pedir desculpas, de se submeter a vontade de Deus. No contexto bíblico, essa expressão é frequentemente usada para descrever o povo de Israel quando se afastava dos caminhos de Deus (Êxodo 32:9; 33:3; Deuteronômio 9:6). Estêvão está acusando seus ouvintes de serem obstinados, recusando-se a se submeter à vontade de Deus.

No Antigo Testamento, a circuncisão era um sinal externo do pacto entre Deus e o povo de Israel. No entanto, Deus também exigia uma "circuncisão do coração", que simboliza pureza interior, obediência e devoção genuína (Deuteronômio 10:16; Jeremias 4:4). Ao chamar os líderes de "incircuncisos de coração e de ouvidos", Estêvão está dizendo que, apesar de terem o sinal externo da circuncisão, seus corações e ouvidos estão fechados para Deus. Eles estão espiritualmente insensíveis, incapazes de ouvir e obedecer à voz do Espírito Santo.

Até aqui, Estêvão demonstrou em seu discurso como o povo de Israel sempre foi duro de coração e resistiu ao Espírito Santo. Ele enumerou vários episódios, começando pela recusa em aceitar José como salvador (Gênesis 37:5-11), passando por Moisés como mensageiro de Deus (Êxodo 2:14; Atos 7:35), e chegando aos profetas e juízes que foram enviados por Deus (Mateus 23:37; Hebreus 11:32-38). Embora Estêvão não comente detalhadamente sobre cada um deles, todos enfrentaram resistência de seu próprio povo.

Podemos citar Débora, que, mesmo sendo mulher, enfrentou resistência no início, mas salvou o povo de Israel (Juízes 4-5). Podemos mencionar Josué, quando ninguém acreditou no relato que ele e Calebe deram (Números 13:30; 14:6-10). Outro exemplo é Samuel, o último juiz antes da era dos reis. Samuel foi chamado desde cedo para servir a Deus (1 Samuel 3:1-10) e advertiu o povo que Deus não queria que fosse nomeado um rei, pois Ele próprio seria o único e suficiente Rei (1 Samuel 8:6-7). No entanto, devido à insistência do povo, Deus permitiu que Saul fosse ungido como o primeiro rei de Israel (1 Samuel 10:1). Inicialmente, Saul também enfrentou resistência (1 Samuel 10:27), e mais tarde acabou abandonando seu chamado (1 Samuel 15:10-11).

52  Qual dos profetas vossos pais não perseguiram? Eles mataram os que anteriormente anunciavam a vinda do Justo, do qual vós agora vos tornastes traidores e assassinos,

Estevão os desafia a mencionar algum profeta que os antepassados deles não tenham perseguido. Urias, um profeta que foi morto pela espada por profetizar contra Jerusalém (Jeremias 26:20-23). Zacarias, filho de Joiada, foi apedrejado no pátio do templo por anunciar a verdade de Deus (2 Crônicas 24:20-22). E agora, ao repetirem esses atos, eles se tornam assassinos e traidores do próprio Messias (Atos 7:52).

53  vós que recebestes a lei por ministério de anjos e não a guardastes.

Estevão faz uma acusação contundente, afirmando que a Lei, embora recebida por intermédio de anjos, não foi obedecida por aqueles que a receberam. Ele enfatiza que, embora Moisés tenha sido o mediador da Lei, ela foi dada através de anjos, o que destaca a sua natureza sagrada e divina (Atos 7:53; Gálatas 3:19). Mesmo com essa mediação celestial, eles não a guardaram, revelando a hipocrisia e desobediência do povo.

Estevão utiliza esse argumento para mostrar que, apesar de se vangloriarem de serem guardiões da Lei, eles falharam em obedecê-la. Ele aponta que a desobediência à Lei não é uma falha apenas dos antepassados, mas também deles, que rejeitaram o Messias prometido pela mesma Lei. Assim, ele expõe a continuidade do padrão de resistência à vontade de Deus, desde a recepção da Lei até a rejeição de Jesus Cristo.

54 ¶ Ouvindo eles isto, enfureciam-se no seu coração e rilhavam os dentes contra ele.

Outras versões descrevem que eles "rangeram os dentes" de tanta raiva (Atos 7:54); outras, mais modernas, os retratam com os punhos fechados, prontos para agredir. Seus corações eram tão duros que se recusavam a admitir seus erros, a se humilhar e a pedir perdão pelos pecados. Eles se consideravam já donos do Reino de Deus por serem circuncidados e filhos de Abraão, mas Jesus mostrou que Deus pode, até mesmo, a partir de pedras, criar descendentes de Abraão (Mateus 3:9; Lucas 3:8). Além disso, Ele os chamou de filhos do diabo, pois seguiam as mentiras e a maldade (João 8:44).

55  Mas Estêvão, cheio do Espírito Santo, fitou os olhos no céu e viu a glória de Deus e Jesus, que estava à sua direita, 56  e disse: Eis que vejo os céus abertos e o Filho do Homem, em pé à destra de Deus.

Estevão, desde o início de sua defesa perante o Sinédrio, estava cheio do Espírito Santo (Atos 6:10). Agora, ainda cheio do Espírito, ele olha para os céus e vê a glória de Deus e Jesus à sua direita, em pé, como se estivesse esperando para recebê-lo nos céus, sinalizando o que estava para acontecer com ele (Atos 7:55-56).

É importante notar que Estevão não viu a Deus diretamente, mas sim a glória de Deus. Ele viu Jesus, e este estava em pé, um gesto que sugere que Jesus estava em ação, pronto para fazer algo. Neste contexto, isso pode significar que Jesus estava pronto para receber Estevão no céu após o seu martírio. Fora desse contexto, o fato de Jesus estar em pé pode representar que Ele está ativamente trabalhando em prol do Seu Reino (Hebreus 7:25; Romanos 8:34).

Além disso, ao vermos Estevão contemplar a glória de Deus e Jesus à sua direita, lembramos de outras passagens nas Escrituras onde Jesus ora ao Pai e interage com Ele, demonstrando a doutrina da Trindade: Deus Pai, Filho e Espírito Santo. Embora Jesus seja Deus, Ele não é o Deus Pai, mas sim a segunda pessoa da Trindade (Mateus 3:16-17; João 17:1-5; 2 Coríntios 13:14).

57  Eles, porém, clamando em alta voz, taparam os ouvidos e, unânimes, arremeteram contra ele. 58  E, lançando-o fora da cidade, o apedrejaram. As testemunhas deixaram suas vestes aos pés de um jovem chamado Saulo.

Estevão, um homem cheio do Espírito Santo, não conseguiu converter aqueles que o escutavam. Isso nos ensina uma lição profunda: mesmo a pregação mais fervorosa e a manifestação mais clara da presença de Deus não podem forçar a conversão de corações endurecidos. A resposta ao evangelho depende da abertura do coração das pessoas à ação do Espírito Santo. Além disso, este episódio nos mostra a resistência humana ao arrependimento e à aceitação da verdade, lembrando-nos que a salvação é uma obra de Deus e que, apesar de nossos melhores esforços em testemunhar, nem todos aceitarão a mensagem de Cristo (João 1:11; 1 Coríntios 2:14).

Estevão permanece como um exemplo de fidelidade até o fim, demonstrando que o verdadeiro discípulo de Cristo está disposto a enfrentar a rejeição e até mesmo a morte por causa do evangelho. Sua morte também marca o início de uma grande perseguição contra a igreja, mas, por outro lado, marca também o início da expansão do cristianismo além das fronteiras de Jerusalém (Atos 8:1-4).

59  E apedrejavam Estêvão, que invocava e dizia: Senhor Jesus, recebe o meu espírito! 60  Então, ajoelhando-se, clamou em alta voz: Senhor, não lhes imputes este pecado! Com estas palavras, adormeceu.” (Atos 7:1-60 RA)

Estevão nos oferece um exemplo extraordinário de controle pelo Espírito Santo. Em uma situação extrema, quando a maioria das pessoas reagiria com medo, raiva ou maldição, Estevão abençoa seus agressores e pede que Deus os perdoe. Este comportamento nos desafia a refletir sobre o nível de controle que o Espírito Santo tem sobre nossas vidas. Será que, em circunstâncias semelhantes, seríamos capazes de abençoar em vez de amaldiçoar?

O Espírito Santo, descrito na Bíblia como o próprio Espírito de Jesus, é aquele que nos capacita a agir de acordo com a vontade de Deus, mesmo em situações de grande adversidade (João 14:26; Romanos 8:9-11). A presença do Espírito em nós deve produzir frutos como o amor, a paz e a longanimidade, capacitando-nos a responder ao mal com o bem (Gálatas 5:22-23). Estevão, cheio do Espírito Santo, exemplificou perfeitamente esse fruto em sua última hora, revelando que, quando o Espírito de Jesus controla nossas vidas, somos capazes de refletir o caráter de Cristo até mesmo nos momentos mais difíceis.

Agora, resumindo o que foi o discurso de Estevão até aqui: Ele se defende das acusações de blasfêmia contra o templo e contra a Lei de Moisés (Atos 6:13-14). Durante sua defesa, ele utiliza a história do povo de Israel para abordar pontos-chave que fundamentam sua argumentação e desconstroem as acusações feitas contra ele:

Através deste discurso, Estevão evidencia que:

  • O local do templo não era indispensável para que Deus atendesse a alguém. Os israelitas eram orgulhosos não apenas do templo, mas também por estarem na terra prometida. Contudo, Estevão deixa claro que lugares específicos nunca limitaram a ação ou a bênção de Deus. Deus pode agir e abençoar qualquer pessoa, independentemente do local. Ele cita Isaías, afirmando que "o Altíssimo não habita em templos feitos por mãos humanas" (Atos 7:48-50; Isaías 66:1-2).
  • O templo, embora fosse um símbolo importante, foi construído por Salomão muitos séculos após a época de Abraão. Isso demonstra que a presença de um local específico não era essencial para a relação com Deus (1 Reis 6:1). Estevão destaca que Deus não estava restrito a um lugar físico para manifestar Sua presença ou atender ao Seu povo, como fica claro na história de Abraão, que se relacionou com Deus antes mesmo de haver um templo ou uma terra prometida (Atos 7:2-7).
  • O povo frequentemente rejeitava grandes personagens bíblicos, incluindo Moisés e outros profetas. Estevão sublinha que essa tendência de rejeitar os enviados de Deus é uma constante na história de Israel. Moisés, o líder que conduziu o povo para fora do Egito, foi inicialmente rejeitado por seus próprios irmãos (Atos 7:35-39). Além disso, os profetas que advertiram o povo a voltar-se para Deus foram frequentemente perseguidos e mortos (Atos 7:52). Essa rejeição culminou com a rejeição e morte do Justo, Jesus Cristo, o Messias prometido.

Assim, Estevão demonstra que a acusação contra ele é infundada. Ele não blasfemou contra o templo ou a Lei; pelo contrário, ele expôs a verdadeira relação de Deus com Seu povo, que transcende o templo e a terra. Estevão argumenta que a resistência dos líderes judeus ao evangelho de Jesus Cristo é apenas uma continuação da longa história de Israel de rejeição aos profetas e à vontade de Deus.

Estevão, então, conclui que, ao resistirem a ele, esses líderes não estão apenas rejeitando um homem, mas resistindo ao próprio Espírito Santo (Atos 7:51). Eles, como seus antepassados, estão rejeitando a obra de Deus e, ao fazê-lo, estão se colocando em oposição direta ao plano divino. 

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