quarta-feira, 7 de agosto de 2024

ATOS DOS APÓSTOLOS (7:1-16)

A Defesa de Estêvão: Da Herança de Abraão à Promessa de Canaã

“1 ¶ Então, lhe perguntou o sumo sacerdote: Porventura, é isto assim? 2  Estêvão respondeu: Varões irmãos e pais, ouvi. O Deus da glória apareceu a Abraão, nosso pai, quando estava na Mesopotâmia, antes de habitar em Harã,

Estêvão inicia sua defesa perante o Sinédrio chamando todos ali de forma respeitosa e considerando-se irmãos de todos, pois era também descendente de Abraão e, portanto, israelita (Atos 7:2). Já que estamos falando de descendência, vamos abordar dois termos bastante evidentes, um deles no Antigo Testamento e outro mais evidente no Novo Testamento: Hebreus e Israelitas.

A origem do termo "hebreus" está associada ao nome "Eber," conforme mencionado no livro de Gênesis (Gênesis 10:21). Os hebreus são considerados uma ramificação dos descendentes de Sem. Portanto, todos os judeus, israelitas e ismaelitas são hebreus. No entanto, é importante destacar que a identidade "hebreu" é mais ampla e não se restringe apenas a um grupo específico dentro dos descendentes de Abraão.

Quando falamos em israelitas, estamos nos referindo especificamente aos descendentes de Jacó, que teve seu nome mudado para Israel (Gênesis 32:28). Jacó, pai de José do Egito e de mais 11 filhos (Gênesis 37:3), gerou as 12 tribos de Israel. Cada tribo é nomeada de acordo com um de seus filhos. Jesus nasceu como descendente de Judá, que foi o quarto filho de Jacó, nascido de Lia. Lia foi a esposa pela qual Jacó foi enganado por seu sogro e com quem se casou antes da prometida Raquel (Gênesis 29:16-30). Todos os descendentes de Judá são chamados de judeus (Mateus 1:2-16).

Portanto, enquanto o termo "hebreu" abrange uma ampla gama de descendentes de Abraão, incluindo os ismaelitas, o termo "israelita" é mais específico, referindo-se exclusivamente aos descendentes de Jacó, que também é conhecido como Israel. Essa distinção é fundamental para entender a identidade e a herança dos diferentes grupos mencionados nas Escrituras.

3  e lhe disse: Sai da tua terra e da tua parentela e vem para a terra que eu te mostrarei.

A história dos hebreus começa aqui. Abraão é considerado o Pai da fé, e não à toa, ele é uma figura fundamental nas três maiores religiões monoteístas, ou seja, que acreditam em apenas um Deus: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo.

No cristianismo, Abraão é especialmente significativo como um modelo de fé e obediência a Deus. O Novo Testamento frequentemente refere-se a Abraão para ilustrar a justificação pela fé. Jesus Cristo, em seus ensinamentos e genealogia, é descrito como descendente de Abraão (Mateus 1:1-16). Além disso, o apóstolo Paulo destaca Abraão como um exemplo de justificação pela fé, argumentando que a fé de Abraão foi creditada como justiça antes da Lei de Moisés (Romanos 4:3-16; Gálatas 3:6-9). A promessa feita a Abraão, de que todas as nações seriam abençoadas através de sua descendência, é vista no cristianismo como cumprida em Jesus Cristo, que é o Salvador prometido para todas as nações (Gálatas 3:16).

Assim, Abraão não é apenas um patriarca do judaísmo e do islamismo, mas também uma figura central no cristianismo, cujo relacionamento com Deus e exemplo de fé são fundamentais para a compreensão da justificação e da promessa redentora que se cumpre em Cristo.

4  Então, saiu da terra dos caldeus e foi habitar em Harã. E dali, com a morte de seu pai, Deus o trouxe para esta terra em que vós agora habitais.

Nada aqui é novidade; Estêvão está narrando tudo desde o princípio, considerando o início de tudo como Abraão, o pai da fé (Hebreus 11:8). Toda a trajetória de Abraão, suas façanhas e maiores dificuldades estão registradas em Gênesis, logo após a narrativa da Torre de Babel (Gênesis 11:1-9). Ou seja, praticamente toda a Escritura narra os acontecimentos dos hebreus.

A terra que agora habitais se refere, atualmente, a regiões geográficas de Israel, Palestina e adjacências. A Faixa de Gaza, que vemos frequentemente nos noticiários em guerra, também faz parte, geograficamente, dessa terra prometida, antigamente chamada Canaã (Gênesis 12:5-7).

5  Nela, não lhe deu herança, nem sequer o espaço de um pé; mas prometeu dar-lhe a posse dela e, depois dele, à sua descendência, não tendo ele filho.

Nela, ou seja, já morando em Canaã, Abraão não recebeu nada, nem mesmo um espaço para os seus pés. No entanto, Deus prometeu dar essa terra à sua descendência, mesmo antes de Abraão ter filhos. Isaque, o filho da promessa, ainda haveria de ser prometido e posteriormente nascer (Gênesis 12:7; Gênesis 13:15).

6  E falou Deus que a sua descendência seria peregrina em terra estrangeira, onde seriam escravizados e maltratados por quatrocentos anos;

Deus já havia profetizado o que aconteceria com a descendência de Abraão. Deus está sempre um passo, ou melhor, um infinito à frente de nossas escolhas. Ele já conhece o desfecho de tudo; Ele é Soberano, está acima de tudo, até mesmo de nossas escolhas e das consequências delas (Isaías 46:10).

Deus já havia profetizado que a descendência de Abraão seria escrava por 400 anos (Gênesis 15:13). Isso se cumpriu quando os israelitas foram escravizados pelos egípcios. No entanto, Deus também prometeu que, após esse período, os seus descendentes seriam libertos e abençoados abundantemente (Êxodo 3:8; Êxodo 3:17).

7  eu, disse Deus, julgarei a nação da qual forem escravos; e, depois disto, sairão daí e me servirão neste lugar.

É fato que Deus está sempre à frente de tudo; Ele é Soberano. No entanto, isso não exime a responsabilidade de nossas escolhas e atitudes (Gálatas 6:7). Por isso, Deus julgou a nação que escravizou os israelitas. O julgamento não é uma promessa futura, mas algo que já ocorreu (Êxodo 12:12). Após o julgamento, os israelitas saíram do Egito e se afastaram daquela nação. Eles passaram a servir a Deus na terra prometida, chamada Canaã, que hoje geograficamente ocupa as regiões de Israel, Palestina e a Faixa de Gaza (Êxodo 3:8; Êxodo 3:17).

8  Então, lhe deu a aliança da circuncisão; assim, nasceu Isaque, e Abraão o circuncidou ao oitavo dia; de Isaque procedeu Jacó, e deste, os doze patriarcas.

Deus fez um pacto com Abraão, estabelecendo que todos os seus descendentes deveriam ser circuncidados para participar dessa aliança (Gênesis 17:10-14). Isso incluía todos os filhos, escravos e estrangeiros que quisessem se unir ao pacto com Deus. Quem não fosse circuncidado seria excluído do povo e estaria quebrando a aliança (Gênesis 17:14).

Isaque já nasceu dentro dessa aliança e foi circuncidado no oitavo dia, conforme a tradição (Gênesis 21:4). Para as meninas, não havia um equivalente à circuncisão masculina, mas havia cerimônias de nascimento. No oitavo dia, as meninas eram apresentadas e recebiam um nome hebraico (Lucas 2:21).

Para uma estrangeira se unir ao povo de Israel, ela deveria ser supervisionada e participar de todos os ritos religiosos. Por isso, muitas vezes, mulheres de outras religiões eram discriminadas, como a mulher samaritana, que enfrentou resistência devido às diferenças doutrinárias e práticas (João 4:9). Os samaritanos adoravam o mesmo Deus, mas tinham práticas e uma versão do Pentateuco diferentes dos judeus, sendo também descendentes de Abraão (2 Reis 17:24).

Na Igreja Primitiva, muitos judeus convertidos ao cristianismo consideravam radical a aceitação de novos cristãos que não eram circuncidados. Eles viam a circuncisão como uma necessidade para a plena aceitação na comunidade cristã, seguindo a tradição judaica (Atos 15:1). Essa exigência gerou conflitos, pois essa sim era uma alteração radical dos princípios do evangelho (Gálatas 5:2-3).

“Circuncidai-vos para o SENHOR, circuncidai o vosso coração, ó homens de Judá e moradores de Jerusalém, para que o meu furor não saia como fogo e arda, e não haja quem o apague, por causa da malícia das vossas obras.” (Jeremias 4:4 RA)

 “O SENHOR, teu Deus, circuncidará o teu coração e o coração de tua descendência, para amares o SENHOR, teu Deus, de todo o coração e de toda a tua alma, para que vivas.” (Deuteronômio 30:6 RA)

Os judeus não podiam negar que havia referências suficientes para mostrar que a circuncisão não tornava alguém automaticamente agradável a Deus. A verdadeira conversão e a santidade exigiam um comprometimento mais profundo e definitivo. Era necessário que a pessoa se convertesse genuinamente a Deus para ser considerada santa, escolhida e reservada para Ele (Deuteronômio 10:16; Jeremias 4:4; Ezequiel 36:26-27).

O Novo Testamento também reforça essa ideia, afirmando que o valor da verdadeira conversão não está na circuncisão ou em qualquer rito externo, mas na transformação interior e no relacionamento genuíno com Deus (Romanos 2:28-29; Gálatas 5:6).

“9 ¶ Vem, pois, esta bem-aventurança exclusivamente sobre os circuncisos ou também sobre os incircuncisos? Visto que dizemos: a fé foi imputada a Abraão para justiça. 10  Como, pois, lhe foi atribuída? Estando ele já circuncidado ou ainda incircunciso? Não no regime da circuncisão, e sim quando incircunciso.” (Romanos 4:9-10 RA)

“11  Nele, também fostes circuncidados, não por intermédio de mãos, mas no despojamento do corpo da carne, que é a circuncisão de Cristo, 12  tendo sido sepultados, juntamente com ele, no batismo, no qual igualmente fostes ressuscitados mediante a fé no poder de Deus que o ressuscitou dentre os mortos.” (Colossenses 2:11-12 RA)

9  Os patriarcas, invejosos de José, venderam-no para o Egito; mas Deus estava com ele

Veja o que a inveja é capaz de fazer. Podemos até achar que os irmãos de José tinham ciúmes de suas posses, mas, segundo Estêvão, o problema era a inveja de quem José era, não do que ele possuía, mas de sua postura e posição (Atos 7:9).

É interessante notar que o erro que os patriarcas cometeram não os afastou da promessa de Deus. Deus é misericordioso e, após a reconciliação de José com seus 11 irmãos, as tribos de Israel foram formadas por todos eles, e todos são importantes. José pode ter sido o mais notável entre eles, mas Jesus veio da tribo de Judá, outro dos irmãos de José (Mateus 1:2-16; Hebreus 7:14).

10 e livrou-o de todas as suas aflições, concedendo-lhe também graça e sabedoria perante Faraó, rei do Egito, que o constituiu governador daquela nação e de toda a casa real.

Estêvão narra em um resumo bem curto o que aconteceu com José após ser vendido como escravo. Ele menciona que Deus livrou José de todas as suas aflições (Atos 7:10). No entanto, é importante notar que José enfrentou várias dificuldades: foi vendido como escravo, serviu na casa de Potifar, foi acusado injustamente de tentativa de estupro, e foi preso (Gênesis 39:1-20). Após isso, ele teve que esperar dois anos após interpretar corretamente os sonhos do copeiro e do padeiro (Gênesis 40:1-23).

Então, como pode Estêvão afirmar que Deus o livrou de todas as aflições? Sim, José enfrentou aflições, mas Deus não o manteve nelas indefinidamente. Em vez disso, Deus o livrou de cada uma delas ao longo do tempo. Mesmo na prisão, José se manteve determinado e não desanimado. Graças à sabedoria que Deus lhe deu, ele conseguiu servir bem e ser elogiado, e eventualmente foi promovido para tomar conta da prisão (Gênesis 39:21-23).

11  Sobreveio, porém, fome em todo o Egito; e, em Canaã, houve grande tribulação, e nossos pais não achavam mantimentos.

Tudo tem um propósito. A fome que assolou o Egito não foi surpresa para Deus. Por causa dessa fome, todos os pais, ou seja, os patriarcas e os filhos de Israel, passaram a morar no Egito, onde mais tarde seriam escravizados (Gênesis 41:30-31; Gênesis 46:1-3). Deus usou essa situação para cumprir Seu plano e preparar o cenário para os eventos futuros, incluindo a preservação da linhagem de Israel e a sua eventual libertação (Gênesis 50:20).

12  Mas, tendo ouvido Jacó que no Egito havia trigo, enviou, pela primeira vez, os nossos pais.

Jacó não saiu de sua atual morada imediatamente. Em um primeiro momento, ele enviou seus filhos para buscar mantimentos para toda a sua família e também para seus animais, devido à fome que assolava a região (Gênesis 42:1-3). Foi somente mais tarde, após os filhos relatarem a situação ao pai, que ele considerou a possibilidade de se mudar para o Egito para se reunir com José e garantir a sobrevivência de sua família (Gênesis 46:1-4).

13  Na segunda vez, José se fez reconhecer por seus irmãos, e se tornou conhecida de Faraó a família de José.

Houve toda aquela história na primeira vez em que os irmãos foram ao Egito, quando José os reconheceu e os provou para verificar se haviam se arrependido do que fizeram (Gênesis 42:7-17). Somente na segunda vez que eles foram ao Egito, José revelou a eles quem ele realmente era (Gênesis 45:1-3).

14  Então, José mandou chamar a Jacó, seu pai, e toda a sua parentela, isto é, setenta e cinco pessoas.

Até aquele momento, o número total de israelitas era de 75 pessoas (Gênesis 46:27; Atos 7:14). É importante notar que a quantidade total de hebreus era diferente, pois "hebreus" refere-se a todos os descendentes de Abraão, enquanto "israelitas" refere-se especificamente aos descendentes de Jacó, que também é conhecido como Israel. A história contada a partir desse ponto não é mais sobre os hebreus em geral, mas sobre a nação de Israel em particular.

15  Jacó desceu ao Egito, e ali morreu ele e também nossos pais; 16  e foram transportados para Siquém e postos no sepulcro que Abraão ali comprara a dinheiro aos filhos de Hamor.

Apesar de todos os patriarcas terem morrido no Egito, seus ossos foram posteriormente transportados e enterrados em Siquém, um território que pertencia a Canaã, a terra prometida (Josué 24:32). Hoje, essa região geograficamente corresponde a partes de Israel, Palestina e a Faixa de Gaza.

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