“A Escolha de Matias: Decisões Coletivas na Formação da igreja”
15
¶ Naqueles dias, levantou-se Pedro no meio dos irmãos (ora, compunha-se a
assembléia de umas cento e vinte pessoas) e disse:
Já eram cerca de 120 pessoas no grupo, certamente incluía ali a
família dos 11 apóstolos, amigos próximos e mulheres que já participavam ativamente
do ministério de Jesus.
Foi nesse contexto que Pedro demonstrou liderança, assumindo um
papel de autoridade entre os irmãos. Entretanto, ao longo desta carta,
perceberemos que a liderança era exercida de forma coletiva. Não vemos decisões
sendo tomadas unilateralmente, mas sim em grupo. Principalmente, após a
promessa do Espírito Santo ser cumprida, as decisões foram tomadas com a
manifestação dele.
16 Irmãos, convinha que se cumprisse a Escritura
que o Espírito Santo proferiu anteriormente por boca de Davi, acerca de Judas,
que foi o guia daqueles que prenderam Jesus,
Observem como Pedro, um simples pescador, agora demonstra uma clara
habilidade em citar as Escrituras antigas. Mais do que isso, ele possui domínio
sobre elas, sendo capaz de compreender o que os registros bíblicos dizem. Esse
entendimento não é fruto de esforço próprio; embora possamos adquirir
conhecimento da Bíblia ao lê-la constantemente, o verdadeiro discernimento é
concedido por uma razão específica:
"Então, lhes abriu o
entendimento para compreenderem as Escrituras;" (Lucas 24:45 RA)
Jesus foi o responsável por permitir que os apóstolos compreendessem
o que as Escrituras sagradas diziam e profetizavam sobre Ele mesmo. Não é à toa
que os membros do conselho ficaram admirados ao ouvir Pedro e João falarem com
coragem e autoridade sobre a Palavra de Deus.
17 porque ele era contado entre nós e teve parte
neste ministério.
Judas fazia parte do grupo e foi escolhido para participar nas
atividades dos apóstolos. Além de desempenhar as tarefas comuns compartilhadas
por todos os apóstolos, como testemunhar os milagres de Jesus e divulgar seus
ensinamentos, Judas também desempenhava o papel de tesoureiro no ministério.
Ele tinha a responsabilidade de cuidar das ofertas e das despesas do grupo,
como mencionado em João 13:29.
18 (Ora, este homem adquiriu um campo com o
preço da iniqüidade; e, precipitando-se, rompeu-se pelo meio, e todas as suas
entranhas se derramaram;
Temos aqui um relato de que Judas comprou um terreno com o preço da
iniquidade, ou seja, pelo preço de seu pecado, certamente referindo-se às
próprias moedas da traição que recebeu. Nesse mesmo terreno, ele tirou sua
própria vida, lançando-se de um precipício.
No entanto, ao analisarmos o trecho registrado por Mateus, o
desfecho é diferente, Judas foi se enforcar logo após devolver as moedas:
"Então, Judas, atirando
para o santuário as moedas de prata, retirou-se e foi enforcar-se."
(Mateus 27:5 RA)
Esse breve trecho não afirma que a bíblia é mentirosa como alguns
gostam de fazer, mas esse pequeno trecho pode nos ensinar muito sobre como
devemos estudar as Escrituras. É importante compreender que, sendo inspiradas
pelo Espírito Santo, as Escrituras foram escritas por homens inseridos em
diversas culturas e classes sociais. As cartas e mensagens muitas vezes eram
dirigidas a pessoas ou grupos específicos.
A possível contradição entre os desfechos da história de Judas pode
ser explicada pelo fato de que Judas estava afastado dos apóstolos, e o que
eles registraram posteriormente em seus evangelhos era o testemunho de algumas
pessoas que viram ou ouviram falar. Daí a importância dos quatro evangelhos,
cada um trazendo perspectivas distintas. Mesmo havendo outros evangelhos, foram
preservados os quatro que conhecemos, e, entre eles, encontramos passagens
específicas que apenas um autor relata (como o caso dos ladrões na cruz),
enquanto outros não mencionam. No entanto, o testemunho e a mensagem principal
sobre Jesus são impecáveis, o que comprova a veracidade das informações.
No caso de Judas, é possível que ele tenha voltado e recolhido as
moedas, ou que alguém tenha feito isso por ele. Ele também pode ter deixado as
moedas lá e adquirido o campo com o preço da iniquidade, não apenas pela
traição, mas também pelos roubos que praticou durante o ministério, como
mencionado em João 12:6. É possível também que, ao se enforcar, a corda tenha
se rompido, resultando no desfecho que Pedro conhecia.
Enfim, o trágico desfecho de Judas foi a morte causada por um grande
remorso. Se esse remorso fosse acompanhado de arrependimento e humildade,
certamente seria perdoado por Jesus. No entanto, para os apóstolos,
especialmente naquele tempo em que ainda não compreendiam plenamente a graça de
Deus e a necessidade da morte de Jesus Cristo, é provável que não o perdoassem.
19 e isto chegou ao conhecimento de todos os
habitantes de Jerusalém, de maneira que em sua própria língua esse campo era
chamado Aceldama, isto é, Campo de Sangue.)
Pedro continua relatando sobre o desfecho trágico de Judas,
afirmando que aquilo era conhecido por todos, a ponto de batizar aquela terra de
Campo de Sangue. O que todos sabiam era do fato de terem encontrado Judas
morto, com as entranhas à mostra, mas não como isso aconteceu. Quando alguém
tira a própria vida, não comunica a ninguém, faz sozinho sem ninguém por perto,
e assim foi com Judas. Esse é um dos motivos pelos quais existem diferentes
versões sobre como ele se enforcou.
20 Porque está escrito no Livro dos Salmos:
Fique deserta a sua morada; e não haja quem nela habite; e: Tome outro o seu
encargo.
“Fique deserta a sua morada, e
não haja quem habite as suas tendas.” (Salmos 69:25 RA)
Pedro cita um trecho de Salmos onde todo o contexto descreve os
desejos de Davi contra seus inimigos, ou seja, Pedro e os outros apóstolos
tratavam Judas como inimigo mortal:
“Os seus dias sejam poucos, e
tome outro o seu encargo.” (Salmos 109:8 RA)
“Que o meu inimigo morra logo,
e que outra pessoa faça o trabalho que ele fazia!” (Salmos 109:8 NTLH)
A nova versão já evidencia explicitamente tratar-se de um desejo
contra inimigos. Davi também foi o autor desse salmo e expressou um desejo de
vingança intensa contra seus inimigos. Isso ressalta o quão inconformados ainda
estavam os apóstolos em relação a Judas. Implicitamente, revela que os
apóstolos compreendiam pouco a necessidade da Cruz, indicando que, se fosse
possível, teriam impedido e "salvado" Jesus da crucificação. Embora
seja apenas uma especulação, o nível de revolta presente nos salmos de Davi,
que eles citaram, sugere o quão amargurados estavam com Judas. Deixo aqui uma
reflexão: caso Judas pedisse perdão a eles, será que o aceitariam de volta ao
grupo?
21 É necessário, pois, que, dos homens que nos
acompanharam todo o tempo que o Senhor Jesus andou entre nós, 22
começando no batismo de João, até ao dia em que dentre nós foi levado às
alturas, um destes se torne testemunha conosco da sua ressurreição.
Houve uma espécie de "filtro" para ajudar a determinar
quem seria escolhido para ser o novo apóstolo no lugar de Judas: somente aquele
que estivesse no grupo desde que Jesus foi batizado por João seria digno de ser
chamado apóstolo.
A palavra "apóstolo" significa "mensageiro", ou
seja, aquele que é enviado para anunciar e testemunhar a mensagem de Deus. Por
anunciarem o evangelho, Paulo e Barnabé também foram chamados de apóstolos. O
papel principal dos apóstolos, como o próprio nome indica, era testemunhar a
ressurreição de Jesus Cristo. Inicialmente, começaram a anunciar apenas aos
judeus, mas com o tempo, à medida que amadureciam em relação à graça,
perceberam que a mensagem não era exclusiva ao povo judeu, mas se estendia
também aos gentios, ou seja, a todos que não são judeus.
Mas o fato principal de terem que repor o decimo segundo apostolo é
por causa da promessa que o próprio Cristo deu a eles:
“Jesus lhes respondeu: Em
verdade vos digo que vós, os que me seguistes, quando, na regeneração, o Filho
do Homem se assentar no trono da sua glória, também vos assentareis em doze
tronos para julgar as doze tribos de Israel.” (Mateus 19:28 RA)
Há uma promessa aqui de Jesus diretamente aos apóstolos, de que os
12 seriam líderes e julgariam as 12 tribos de Israel. Como vimos, outras
pessoas também foram chamadas de apóstolos, mas por que elas não foram
adicionadas e, em vez de 11, tornariam-se 13 ou mais? Isso ocorre porque havia
um propósito específico na quantidade escolhida por Jesus:
“A muralha da cidade tinha
doze fundamentos, e estavam sobre estes os doze nomes dos doze apóstolos do
Cordeiro.” (Apocalipse 21:14 RA)
Deus não removeria uma das tribos da história, nem daria a alguns
dos apóstolos a responsabilidade sobre duas tribos. Havia, de fato, a
necessidade de repor o serviço apostólico perdido com Judas. Acredito que, se
Judas não tivesse tirado a própria vida, mas buscado o perdão do Senhor, sua
posição estaria garantida. Seu pecado, assim como o de todos os outros
apóstolos, teria sido perdoado. No entanto, em vez de buscar o arrependimento
genuíno, ele se entregou à amargura e desespero. Em vez de confiar em Jesus
para se livrar da terrível perseguição que sentia em seu espírito, optou por dar
fim à sua vida.
Paulo também conviveu com a perseguição em seu íntimo, lembrando-se
das atrocidades que cometeu contra os cristãos antes de se tornar servo de
Jesus. Alguns estudiosos sugerem que o "espinho na carne" poderia ser
esse sentimento horrível que o assombrava diariamente, acusando-o pelos erros
passados. No entanto, ao contrário de Judas, em vez de tirar a própria vida,
Paulo se empenhou ainda mais. Não buscava ganhar créditos com Deus para
compensar os erros, mas sim demonstrar gratidão pelo perdão alcançado em Cristo
Jesus.
Podemos questionar por que Paulo não foi considerado o décimo
segundo apóstolo. Paulo prontamente abandonou a missão de evangelizar os judeus
e se dedicou aos gentios, aos pagãos, a todos nós. Paulo é nossa testemunha de Jesus,
nosso apóstolo. Para os judeus, havia, de fato, a necessidade de preencher a
vaga deixada por Judas.
23
Então, propuseram dois: José, chamado Barsabás, cognominado Justo, e
Matias.
As pessoas ali reunidas, cerca de 120, não chegaram a um consenso e
escolheram dois representantes, Barsabás, de sobrenome Justo, e Matias.
24 E,
orando, disseram: Tu, Senhor, que conheces o coração de todos, revela-nos qual
destes dois tens escolhido 25 para preencher a vaga neste ministério e
apostolado, do qual Judas se transviou, indo para o seu próprio lugar. 26 E
os lançaram em sortes, vindo a sorte recair sobre Matias, sendo-lhe, então,
votado lugar com os onze apóstolos.”
Pedro, notadamente, assume a liderança em diversas discussões,
desempenhando, sem dúvida, uma posição de autoridade nos grupos que integra. No
entanto, nas escrituras, não encontramos Pedro tomando decisões unilaterais que
reflitam seus próprios desejos em detrimento dos do grupo. Pelo contrário, as
decisões são sempre tomadas de forma coletiva, envolvendo oração e a
participação do Espírito Santo após a sua vinda.
Todos os apóstolos colaboravam em conjunto, cada um demonstrando
diferentes níveis de submissão e impulsividade. A realidade é que todos eram
colaboradores de Cristo. Apesar da existência de uma liderança, as decisões
eram alcançadas por meio de reuniões, votações e até mesmo por sorteio, como
evidenciado no verso anterior.
Abaixo, seguem mais referências de como eram geridas as igrejas
primitivas:
“24 “Soubemos que alguns do nosso grupo foram até
aí e disseram coisas que criaram problemas para vocês. Porém não foi com a nossa
autorização que eles fizeram isso. 25
Portanto, nós todos resolvemos, sem nenhum voto contra,
escolher alguns homens e mandá-los a vocês. Eles vão com os nossos queridos
irmãos Barnabé e Paulo, 26 que têm
arriscado a sua vida a serviço do nosso Senhor Jesus Cristo. 27 Estamos enviando, então, Judas e Silas
para falarem pessoalmente com vocês sobre estas coisas que estamos escrevendo.
28 Porque o Espírito Santo e nós
mesmos resolvemos não pôr nenhuma carga sobre vocês, a não ser estas
proibições que são, de fato, necessárias:” (Atos 15:24-28 NTLH)
“2 Aconselho que cuidem bem do rebanho que Deus
lhes deu e façam isso de boa vontade, como Deus quer, e não de má vontade. Não
façam o seu trabalho para ganhar dinheiro, mas com o verdadeiro desejo de
servir. 3 Não procurem dominar os
que foram entregues aos cuidados de vocês, mas sejam um exemplo para o
rebanho.” (1 Pedro 5:2-3 NTLH)
Resumo: QUER SER O MAIOR? ENTÃO FAÇA O QUE O MENOR FARIA. Nosso
VERDADEIRO PASTOR, exemplificando seus ensinamentos, lavou os pés de seus
servos. Ele instruiu aqueles que almejam grandeza a serem os menores entre
todos, evitando arrogância. Há inúmeros exemplos de como a soberba antecede a
queda, inclusive em parábolas (Lucas 14:7-14),
retratando indivíduos que assumiram posições de destaque por se considerarem
importantes e que, posteriormente, foram envergonhados por aqueles que
verdadeiramente detêm autoridade.